segunda-feira, 24 de novembro de 2008

Catavento e Girassol (Guinga e Aldir Blanc)

Cantada por Leila Pinheiro

Meu catavento tem dentro
O que há do lado de fora do teu girassol
Entre o escancaro e o contido
Eu te pedi sustenido
E você riu bemol
Você só pensa no espaço
Eu exigi duração
Eu sou um gato de subúrbio
Você é litorânea
Quando eu respeito os sinais
Vejo você de patins
Vindo na contra-mão
Mas, quando ataco de macho
Você se faz de capacho
E não quer confusão
Nenhum dos dois se entrega
Nós não ouvimos conselho:
Eu sou você que se vai
No sumidouro do espelho
Eu sou do Engenho de Dentro
E você vive no vento do Arpoador
Eu tenho um jeito arredio
E você é expansiva
(o inseto e a flor)
Um torce pra Mia Farrow
O outro é Woody Allen...
Quando assovio uma seresta
Você dança, havaiana
Eu vou de tênis e jeans
Encontro você demais:
Scarpin, soirée
Quando o pau quebra na esquina
Você ataca de fina
E me oferece em inglês:
É fuck you, bate-bronha
E ninguém mete o bedelho:
Você sou eu que me vou
No sumidouro do espelho
A paz é feita no motel
De alma lavada e passada
Pra descobrir logo depois
Que não serviu pra nada
Nos dias de carnaval
Aumentam os desenganos:
Você vai pra Parati
E eu pro Cacique de Ramos
Meu catavento tem dentro
O vento escancarado do Arpoador
Teu girassol tem de fora
O escondido do Engenho de Dentro da flor
Eu sinto muita saudade
Você é contemporânea
Eu penso em tudo quanto faço
Você é tão espontânea!
Sei que um depende do outro
Só pra ser diferente
Pra se completar
Sei que um se afasta do outro
No sufoco somente pra se aproximar
Cê tem um jeito verde de ser
E eu sou mais vermelho
Mas os dois juntos se vão
No sumidouro do espelho

domingo, 23 de novembro de 2008

Ciúme do perfume (Itamar Assumpção)

SOM e BOCAS QUE APROXIMAM e
CRESCEM. SOMEM.

Por mais que eu fume fume não consigo estar imune
Incólume desse ciúme quando sinto o seu perfume
A minha cabeça zune
Puxo a faca de dois gumes no negrume o aço lume eu
Corto o laço que nos une, perfume de flor de acácia
Perfumes de flor-de-lis perfume de orquídea perfume
De amarílis perfume de flor de lótus perfume de meretriz
Perfume de flor de cactos perfume de flor de anis
Por mais que eu...

sábado, 8 de novembro de 2008

Deus me dê Grana (Marcelo Nova/ Karl Hummel/ Gustavo Mullem)

Correndo risco (1986)

"Senhor, vou lhe falar: Nunca pedi assim!
Sempre rezei pros outros
Mas desta vez é pra mim

Perdi tudo o que eu tinha
Sei que fiz muita besteira
Mas se você não achar o meu bolso, Deus
Por favor coloque na carteira

Se eu fico aqui parado, nessa bobeira sem fim
Logo, logo os "hôme" vão estar atrás de mim
Você tá numa boa, é o dono do paraíso
Então me empresta uns trocados, Deus, é só disso que eu preciso

Deus me dê grana, Deus, por favor
Deus me dê grana, seu filho tá na de horror

De manhã bem cedo, alguém bate em minha porta
É a proprietária que eu sonhei estava morta
Pulo pela janela na maior correria
Mas é muito difícil, Deus, com a barriga vazia

Deus me dê grana, Deus, por favor
Deus me dê grana, seu filho tá na de horror

Quando passa aquela loura, que mora aqui do lado
Só de imaginar eu fico super excitado
Mas como eu posso armar uma treta decente
Se até me falta pasta, Deus, pra eu escovar os dentes

Deus me dê grana, Deus, por favor
Deus me dê grana, seu filho tá na de horror

Senhor, eu sei que você é gente fina
Sei também que dureza nunca foi a minha sina
Aceito de bom grado uma bolada qualquer
Pode me dar em cheque, Deus, ou em dólar se puder

Deus me dê grana, Deus, por favor
Deus me dê grana, seu filho tá na de horror"

quinta-feira, 6 de novembro de 2008

Cultura Lira Paulistana (Itamar Assumpção?)

A ditadura pulou fora da política
E como a dita cuja é craca é crica
Foi grudar bem na cultura
Nova forma de censura
Pobre cultura como pode se segura
Mesmo assim mais um pouquinho
E seu nome será amargura ruptura sepultura
Também pudera coitada representada
Como se fosse piada
Deus meu por cada figura sem compostura
Onde era ataulfo tropicália
Monsueto dona ivone lara campo em flor
Ficou tiririca pura
Porcaria na cultura tanto bate até que fura
Que droga merda
Cultura não é uma tchurma
Cultura não é tcha tchura
Cultura não é frescura
A brasileira é uma mistura pura uma loucura
A textura brasileira é impura mas tem jogo de cintura
Se apura mistura não mata
Cultura sabe que existe miséria existe fartura e partitura
Cultura quase sempre tudo atura
Sabe que a vida tem doce e é dura feito rapadura
Porcaria na cultura tanto bate até que fura
Cultura sabe que existe bravura agricultura
Ternura existe êxtase e agrura noites escuras
Cultura sabe que existe paúra botões e abotoaduras
Que existe muita tortura
Cultura sabe que existe cultura
Cultura sabe que existem milhões de outras culturas
Baixaria na cultura tanto bate até que fura
Socorro elis regina
A ditadura pulou fora da política
E como a dita cuja é craca é crica
Foi grudar bem na cultura
Nova forma de censura
Pobre cultura
Como pode se segura
Mesmo assim mais um tiquinho
Coitada representada
Como se fosse um nada
Deus meu por cada feiúra
Sem compostura
Onde era pixinguinha elizeth macalé e o zé kéti
Ficou tiririca pura
Só dança de tanajura
Porcaria na cultura tanto bate até que fura
Que pop mais pobre pobre pop

Composição?

segunda-feira, 20 de outubro de 2008

Roberto Piva

LIBELO

Não mais trarei justificações
Aos olhos do mundo.
Serei incluído
" Pormenor Esboçado "
Na grande bruma.
Não serei batizado,
Não serei crismado,
Não estarei doutorado,
Não serei domesticado
Pelos rebanhos
Da terra.
Morrerei inocente
Sem nunca ter
Descoberto
O que há de bem e mal
De falso ou certo
No que vi.

A Piedade

Eu urrava nos poliedros da Justiça meu momento abatido na extrema paliçada

os professores falavam da vontade de dominar e da luta pela vida

as senhoras católicas são piedosas
os comunistas são piedosos
os comerciantes são piedosos
só eu não sou piedoso
se eu fosse piedoso meu sexo seria dócil e só se ergueria aos sábados à noite
eu seria um bom filho meus colegas me chamariam cu-de-ferro e me fariam perguntas por que navio bóia? Por que prego afunda?

eu deixaria proliferar uma úlcera e admiraria as estátuas de fortes dentaduras
iria a bailes onde eu não poderia levar meus amigos pederastas ou barbudos
eu me universalizaria no senso comum e eles diriam que tenho todas as virtudes
eu não sou piedoso
eu nunca poderei ser piedoso
meus olhos retinem e tingem-se de verde
Os arranha-céus de carniça decompõem nos pavimentos
Os adolescentes nas escolas bufam como cadelas asfixiadas
arcanjos de enxofre bombardeiam o horizonte através do meus sonhos

Dodó e Zezé (Tom Zé e Odair Cabeça de Poeta)

- Por que é que a gente tem que ser
marginal ou cidadão?
diga, Zezé.
- É pra ter a ilusão de que pode
pode escolher,
viu, Dodó?

- Mas por que é que a gente
tem de viver com esse medo
danado de tudo na vida?
diga, Zezé.
- É pra aprender que o medo
é o nosso maior conselheiro,
viu, Dodó?

- Sorrisos, creme dental e tudo,
mas por que é
que a felicidade
anda me bombardeando?
diga, Zezé.
- É pra saber que ninguém mais tem
o direito de ser infeliz,
viu, Dodó?

- Mas por que é que um Zé qualquer
de vez em quando tem que dar sete
sopapos na mulher?
diga, Zezé.
- É pra no outro dia
de manhã cedinho
vender muito jornal,
viu, Dodó?

- Mas por que é, por que é,
por que é, e por que é?
diga, Zezé.
- É porque porque, porque
purque purque purque purque,
viu, Dodó?

sábado, 4 de outubro de 2008

Esse Tom Zé é engraçado.

Complexo de Épico (Tom Zé)

Todo compositor brasileiro
é um complexado.

Por que então esta mania danada,
esta preocupação
de falar tão sério,
de parecer tão sério
de ser tão sério
de sorrir tão sério
de chorar tão sério
de brincar tão sério
de amar tão sério?

Ai, meu Deus do céu,
vai ser sério assim no inferno!

Por que então esta metáfora-coringa
chamada "válida",
que não lhe sai da boca,
como se algum pesadelo
estivesse ameaçando
os nossos compassos
com cadeiras de roda, roda, roda, roda?

E por que então esta vontade
de parecer herói
ou professor universitário
(aquela tal classe
que, ou passa a aprender com os alunos
- quer dizer, com a rua -
ou não vai sobreviver)?

Porque a cobra
já começou
a comer a si mesma pela cauda,
sendo ao mesmo tempo
a fome e a comida.

quinta-feira, 25 de setembro de 2008

Por Pouco (Mundo Livre S/A )

Estamos quase sempre otimistas
Tudo vai dar quase certo
Pois o ano esta quase acabando
Depois de termos quase certeza
Que dento em breve teremos um quase
Alegre carnaval
Por pouco não trouxemos o penta
Quase acertamos na loto
Quase compramos a casa
Quase ganhamos o carro
A moça da banheira ficou quase nua
A gostosa da praia quase dá, não dá
Quase dá, não dá mole, não
Pro pouco não ganhamos o Oscar
Quase ficamos no emprego
Quase pagamos a dívida
Quase evitamos a falência
A moça da banheira ficou quase nua
A gostosa da praia quase dá, não dá
Quase dá, não dá mole, não
Contribuintes não contam
Torturadores não sentem
Esculturas de lama não morrem
Jornalistas mortos não mentem
Votamos no quase honesto, pois quase confiamos nele
Acabamos de entrar pelo cano
Por pouco não reagimos, quase nos revoltamos
Mas quase confiamos na justiça e na sorte

quinta-feira, 18 de setembro de 2008

Paulistanóide (Edvaldo Santana)

Edvaldo Santana

Paulistanóide

A cidade me controla
Com seus olhos de janela
Não consigo pular fora
Isso aqui parece cela
Dou uma bola e cruzo os nóias
Desço a rua na banguela
A cidade me seduz
Eu vou namorar com ela

Raras luas, ruas cheias ou desertas
São poetas, suas fontes são seus guias
É preciso feriado prolongado
Pra quem sabe então ficar sozinha
Quando desce o avião é tudo já periferia
Que inflou feito um balão
E perdeu a fantasia

Prisioneiros do relógio e dos carros
São escravos com seus sonhos no seguro
Cada ponto disputado à navalha
As bonecas são meninas no escuro
Quando fico longe um pouco
Parece até que nem saí
A neurose é minha droga
Pra ficar perto de ti

Onde a coruja dorme

Entendimentos únicos.

Poesia em São José dos Campos (1985)

SERMÃO DAS RUAS

Roberto Wagner de Almeida

Bendito é o fruto proibido,
cada soluço e cada gemido,
bendito é o fraco oprimido,
bendito seja o opressor vencido.
Bendito é o tempo já perdido
e todo inovador incompreendido,
bendito é o diferente reprimido,
bendito seja o devedor falido.

Bem-aventurado o filho rejeitado
e o que nasce concebido com pecado,
bem-aventurado o inocente condenado
e o que retorna e sobrevive torturado.

Bendito é o sussurro no ouvido
e cada coração de amor ferido,
bendito o que não foi escolhido,
bendito seja o que foi traído.
Bendito é o que parte perseguido
e todo o que chega foragido,
bendito o perdão que foi pedido,
bendito seja o sexto sentido.

Bem-aventurado este abraço apertado,
o beijo dado e o pranto derramado,
bem-aventurado o pesadelo adiado
e o canto livre neste palco enluarado.

(Da peça teatral: "O guerrilheiro da Inconfidência")

Vadiagem

“Quando a ordem significa escravidão e opressão, a desordem é o começo da Justiça e da liberdade.”
Thomas Carlyle

GLAUCO MATTOSO,UM POETA ASQUEROSO




SONETO 599 BRONZEADO

Contrário da vaidade, não há nada
melhor que o natural. Cabelo cai.
Os dentes escurecem. Quem é pai
um dia vira avô, baixando a espada.

Cerume se acumula. A amarelada
remela pende. O cravo não se extrai.
Da pele do nariz tanto óleo sai
que dá pra temperar uma salada.

Meleca nas narinas se pendura.
Espinhas se apinhando vão nas costas.
Panelas enche a banha da cintura.

As nádegas dariam tantas postas
que as índias cansariam da fritura,
deixando assar no sol, ao qual tu tostas.

SONETO 613 EVACUADO


Cocô, matéria fétida e salobra,
formato entre o cilíndrico e o esférico,
que às vezes liquefaz-se, disentérico,
ou fere o anal canal pelo qual obra.

Se cai em terra firme, ele se dobra
e n'água ele flutua como ibérico
veleiro; num esgoto periférico
encalha, sem espaço de manobra.

Marrom, tonalidade do tolete.
Destaca-se, mais claro, o amendoim
que os gomos lhe craveja e não derrete.

Não nego, o troço causa nojo em mim,
mas vem donde, na marra, fiz cunete...
Ainda o comerei se achar ruim!

Alváro de Campos

Cruzou por mim, veio ter comigo, numa rua da Baixa

Cruzou por mim, veio ter comigo, numa rua da Baixa
Aquele homem mal vestido, pedinte por profissão que se lhe vê na cara,
Que simpatiza comigo e eu simpatizo com ele;
E reciprocamente, num gesto largo, transbordante, dei-lhe tudo quanto tinha
(Exceto, naturalmente, o que estava na algibeira onde trago mais dinheiro:
Não sou parvo nem romancista russo, aplicado,
E romantismo, sim, mas devagar...).

Sinto uma simpatia por essa gente toda,
Sobretudo quando não merece simpatia.
Sim, eu sou também vadio e pedinte,
E sou-o também por minha culpa.
Ser vadio e pedinte não é ser vadio e pedinte:
E' estar ao lado da escala social,
E' não ser adaptável às normas da vida,
'As normas reais ou sentimentais da vida -
Não ser Juiz do Supremo, empregado certo, prostituta,
Não ser pobre a valer, operário explorado,
Não ser doente de uma doença incurável,
Não ser sedento da justiça, ou capitão de cavalaria,
Não ser, enfim, aquelas pessoas sociais dos novelistas
Que se fartam de letras porque tem razão para chorar lagrimas,
E se revoltam contra a vida social porque tem razão para isso supor.

Não: tudo menos ter razão!
Tudo menos importar-se com a humanidade!
Tudo menos ceder ao humanitarismo!
De que serve uma sensação se ha uma razão exterior a ela?

Sim, ser vadio e pedinte, como eu sou,
Não é ser vadio e pedinte, o que é corrente:
E' ser isolado na alma, e isso é que é ser vadio,
E' ter que pedir aos dias que passem, e nos deixem, e isso é que é ser pedinte.

Tudo o mais é estúpido como um Dostoiewski ou um Gorki.
Tudo o mais é ter fome ou não ter o que vestir.
E, mesmo que isso aconteça, isso acontece a tanta gente
Que nem vale a pena ter pena da gente a quem isso acontece.

Sou vadio e pedinte a valer, isto é, no sentido translato,
E estou-me rebolando numa grande caridade por mim.

Coitado do Álvaro de Campos!
Tão isolado na vida! Tão deprimido nas sensações!
Coitado dele, enfiado na poltrona da sua melancolia!
Coitado dele, que com lagrimas (autenticas) nos olhos,
Deu hoje, num gesto largo, liberal e moscovita,
Tudo quanto tinha, na algibeira em que tinha pouco, àquele pobre que não era pobre, que tinha olhos tristes por profissão

Coitado do Álvaro de Campos, com quem ninguém se importa!
Coitado dele que tem tanta pena de si mesmo!

E, sim, coitado dele!
Mais coitado dele que de muitos que são vadios e vadiam,
Que são pedintes e pedem,
Porque a alma humana é um abismo.

Eu é que sei. Coitado dele!
Que bom poder-me revoltar num comício dentro de minha alma!

Mas até nem parvo sou!
Nem tenho a defesa de poder ter opiniões sociais.
Não tenho, mesmo, defesa nenhuma: sou lúcido.

Não me queiram converter a convicção: sou lúcido!

Já disse: sou lúcido.
Nada de estéticas com coração: sou lúcido.
Merda! Sou lúcido.

"O Sétimo Selo", do sueco Ingmar Bergman.

Diálogo entre o cavaleiro Antonius Block (Max von Sydow) e a Morte (Bengt Ekerot),no filme "O Sétimo Selo" (1957) , de Ingmar Bergman.

Cena: O cavaleiro no confessionário, antes de descobrir que confessa à morte.

- Quero confessar com sinceridade, mas meu coração está vazio.

- O vazio é um espelho que reflete meu rosto. Vejo minha própria imagem e sinto repugnância e medo.

- Pela indiferença ao próximo fui rejeitado por ele. Vivo num mundo assombrado, fechado em minhas fantasias.

- Agora quer morrer?

- Sim, eu quero

- E pelo que espera?

- Pelo conhecimento. (Olha para a imagem de Cristo)

- Quer garantias?

- Chame como quiser.

- É tão inconcebível tentar compreender Deus? Por que Ele se esconde em promessas e milagres que não vemos ? Como podemos ter fé em Deus se não temos fé em nós mesmos?

- O que acontecerá com aqueles que não querem ter fé ou não têm?

...

- Temos de imaginar como é o medo e chamar essa imagem de Deus.
caco galhardo analisado

Lhaneza


Já que o Pedrão só enrola e nunca publica nenhum de seus escritos , publico eu!

"Fumo 3 cigarros e escarro no dia cinzento. Abro a janela, vejo o caro carro parado no caos da ponte que se levanta e se faz solo dos mendigos.Na fonte podre do saber, o riso, o beijo, e a tarefa é a mais sublime síntese do autoritarismo velado e do afeto burocrático. Com muito nojo de tudo, como faminto um simples miojo."

Só por hoje....


Lobão -Essa noite não


A cidade enlouquece, sonhos tortos
Na verdade nada é o que parece ser



As pessoas enlouquecem calmamente
Viciosamente, sem prazer
A maior expressão da angústia
Pode ser a depressão, algo que você pressente
Indefinivel, mas não tente se matar



Pelo menos essa noite não


As cortinas transparentes não revelam
O que é solitude, o que é solidão
Um desejo violento bate sem querer
Pânico, vertigem, obsessão

A maior expressão da angústia
Pode ser a depressão
Algo que você pressente
Indefinível
Mas não tente se matar
Pelo menos essa noite não

Tá sozinha, tá sem onda, tá com medo
Seus fantasmas, seu enredo, seu destino
Toda noite uma imagem diferente
Consciente, inconsciente, desatino

A maior expressão da angústia
Pode ser a depressão
Algo que você pressente
Indefinível
Mas não tente se matar
Pelo menos essa noite não

Fraqueza na carne

Só para dar um pouco de vergonha nos comedores de carne, como eu! O penúltimo parágrafo é o mais interessante, e segue abaixo.

"Outro ângulo ainda : consumo de água. Pelo menos 3,5 mil litros são necessários para produzir um quilo de carne de frango, 6 mil para um quilo de carne de porco, pelo menos 15 mil para um quilo de carne bovina. Enquanto isso, um quilo de batatas pode ser produzido com até 500 litros. Terra e água necessárias para produzir um quilo de carne são suficientes para 200 quilos de tomates ou 160 de batatas, segundo o Worldwatch Institute. E as pastagens cobrem um terço das terras no mundo. Não é só. Os efluentes de criações são responsáveis por 50% da poluição da água na Europa e pela acidificação do solo (quando depositados sem tratamento)."

Lembrete

O povo está querendo,
Está querendo melhorar.
Diz que está sofrendo,
Com os ladrões a roubar.
Agora já está dizendo:
Vai votar no Beira-mar.

Os políticos, com gula,
Nosso povo estão roubando.
Político que pula, pula,
Não estamos aguentando.
Querido Presidente Lula,
Tem muita gente mamando.


Poema afixado num poste no centro de Ubatuba, e publicado aqui inadvertidamente.

Descarbonando o carbonado ou ode(io) ao bipolarJuliana, a mato.

O zero facilmente chega em sete
sete caras ou cara nenhuma
sete máscaras, sete portas, sete moradas
que começam o que a cara zero, neutra, nunca apruma

Esse homem que morre mas o cabelo ainda cresce
no processo de antropofagia que desune
tanto faz se cala, ou se escreve
quero mais que se vomite e que se fume

A guela que não gela
mas engasgada vive de tanta surra
da envergadura da pica, que de tanto bater fica
mas que murcha como verdura.

Poema escrito por "Juliana,a mato, segundo algumas, de prazer," em resposta ao carbonato de lítio, publicado em 22 Setembro 2004 no sítio http://capavazia.blogspot.com/ .

O círculo do suicída

O círculo do suicida (1981, Porto alegre)
Eduardo San Martin

"Da vida que poderia ter sido e não foi" Manuel Bandeira

Motivos do Bêbado
O cigarro é a lanterna de luxo
farol de amor e câncer
na fumaça dos lobos e seu repuxo

N inguém nos viu pela madrugada
nem eu nem o copo pela metade
nem a garrafa que não diz nada

Chavões de lustro
o livro fértil nas consultas disciplinares
não vale nada perante a lente dos doutores
empenhados no lustro das alunas amarradas
em seus olhares solares e chavões de gênio

eles dominam as malícias do templo
oferecem as barbas falsas do poder
à safra de lábios limpos da meninada

Entre as vítimas do terror
"Pedimos expressamente que não achem natural aquilo que acontece sempre.
Para que nada disso se mantenha" Bert Brecht

Poemas ao preso comum

Com todos irmãos nesta fossa
e tantas fugas sem sucesso
enfrento os coices do carrasco
e não entrego uma sílaba
tenho a consciência senil
de quem esqueceu até a data
em que morreu pela última vez

Poemas ao preso comum

Um murro racha as costelas
duas patas furam o estômago
joelhos no saco gelo nos pulmões
o suspeito engole sangue
e cospe seu segredo pardo
nas calças brancas do torturador

O relógio de Joaquim Cardoso

Joaquim Cardoso
O Relógio

Do livro: "Poemas", Ed Agir, 1947, RJ

Quem é que sobe as escadas
Batendo o liso degrau?
Marcando o surdo compasso
Com sua perna de pau?

Quem é que tosse baixinho
Na penumbra da ante-sala?
Por que resmunga sozinho?
Por que não cospe e não fala?

Por que dois vermes sombrios
Passando na face morta.
E o mesmo sopro contínuo
Na frincha daquela porta?

Da velha parede triste
No musgo roçar macio:
São horas leves e tenras
Nascendo do solo frio.

Um punhal feria o espaço...
E o alvo sangue a golejar,
Deste sangue os meus cabelos
Pela vida hão de sangrar.

Todos os grilos calaram
Só o silêncio assobia;
Parece que o tempo passa
Com a sua capa vazia.

O tempo enfim cristaliza
Em dimensão natural;
Mas há demônios que arpejam
Na aresta do meu cristal.

No tempo pulverizado
Há cinzas também da morte:
Estão serrando no escuro
As tábuas da minha sorte.

500 visitas, 500 anos.

"Estamos convencidos de que a mudança histórica em perspectiva provirá de um movimento de baixo para cima, tendo como atores principais os países subdesenvolvidos e não os países ricos; os deserdados e os pobres e não os opulentos e outras classes obesas; o indivíduo liberado partícipe das novas massas e não o homem acorrentado; o pensamento livre e não o discurso único. Os pobres não se entregam e descobrem a cada dia formas inéditas de trabalho e de luta; a semente do entendimento já está plantada e o passo seguinte é o seu florescimento em atitudes de inconformidade e, talvez, rebeldia."

Milton Santos em Por Uma Outra Globalização - Do Pensamento Único à Consciência Universal

hope

"A esperança é a última que morre, menos quando é aborto
espontâneo"

XEXECA

armas e simpsons

"O que adianta eu ter uma arma para proteção, se não tenho a quem proteger"
"Essa arma tem um controle sobre mim que faz eu me sentir como Deus quando segura uma arma"
HOMER SIMPSON

Brecht: Quem é teu inimigo?

O que tem fome e te rouba o último pedaço de pão chama-o teu inimigo.Mas não saltas ao pescoço de teu ladrão que nunca teve fome.

Estrada

Para ir, há que se voltar em breve. Dois dias na praia. Sol.
O retorno dominical é triste. Respiro apertado de quem sabe que terá que contar até cinco.
Na segunda ainda me seguro.
Na terça amanheço um pouco mais cinza.
Na quarta os olhos se acostumam ao pranto.
Na quinta eu grito e sofro até dormir.
Na sexta- feira o tempo demora a passar , mas eu espero e dirijo.
Aos trancos nos barrancos da serra eu chego e tudo termina com um beijo.

Cachoeira


Diáfana água tão por mim prezada:
Permita-me, por obséquio, o acesso à cachoeira.


Pelo menos uma vez por mês.

Nem tudo são flores

Sou ódio,
Sou raiva
Sou um bicho
e estou acuada.
Escarro do diabo, sou desrespeito claro e franco.
Que venham todos.
Que eu mostre a eles que sou dor,
que sou vício.
Que cuspam todos em meu sofrimento.
Não há compaixão.
Sou morte, sou verme.
Estou do seu lado.
Mas , e daí?
Sou só um catarro que se desprendeu do pulmão fumante e foi parar no chão sujo da rua.

Cão que ladra

Amanhã sem falta faltarei ao mundo. Será o dia de minha morte. Não invejarei mais o vizinho suicida. Estaremos juntos em nossa ausência. Não serei covarde, como sou diante da vida, face ao oposto dela. Amanhã não terei que acordar com as tripas reviradas. Não terei mais corpo. Amanhã estarei livre das correntes que me prendem à escrotidão humana.
Mas......preciso ir agora porque hoje, assim como ontem, preciso trabalhar.

Versinho comemorativo

Capa vazia escapa e esvazia
minha alma de tanta agonia.
Deixo aqui tudo o que passei um dia.
Ou será que não devia?

domingo, 11 de maio de 2008

Augusto dos Anjos

OS DOENTES

I

Como uma cascavel que se enroscava,
A cidade dos lázaros dormia...
Somente, na metrópole vazia,
Minha cabeça autônoma pensava!

Mordia-me a obsessão má de que havia,
Sob os meus pés, na terra onde eu pisava,
Um fígado doente que sangrava
E uma garganta de órfã que gemia!

Tentava compreender com as conceptivas
Funções do encéfalo as substâncias vivas
Que nem Spencer, nem Haeckel compreenderam...

E via em mim, coberto de desgraças,
O resultado de bilhões de raças
Que há muitos anos desapareceram!

II

Minha angústia feroz não tinha nome.
Ali, na urbe natal do Desconsolo,
Eu tinha de comer o último bolo
Que Deus fazia para a minha fome!

Convulso, o vento entoava um pseudosalmo.
Contrastando, entretanto, com o ar convulso
A noite funcionava como um pulso
Fisiologicamente muito calmo.

Caíam sobre os meus centros nervosos,
Como os pingos ardentes de cem velas,
O uivo desenganado das cadelas
E o gemido dos homens bexigosos.

Pensava! E em que eu pensava, não perguntes!
Mas, em cima de um túmulo, um cachorro
Pedia para mim água e socorro
À comiseração dos transeuntes!

Bruto, de errante rio, alto e hórrido, o urro Reboava.
Além jazia aos pés da serra,
Criando as superstições de minha terra,
A queixada específica de um burro!
Gordo adubo da agreste urtiga brava,
Benigna água, magnânima e magnífica,
Em cuja álgida unção, branda e beatífica,
A Paraíba indígena se lava!

A manga, a ameixa, a amêndoa, a abóbora, o álamo
E a câmara odorífera dos sumos
Absorvem diariamente o ubérrimo húmus
Que Deus espalha à beira do teu tálamo!

Nos de teu curso desobstruídos trilhos,
Apenas eu compreendo, em quaisquer horas,
O hidrogênio e o oxigênio que tu choras
Pelo falecimento dos teus filhos!

Ah! Somente eu compreendo, satisfeito,
A incógnita psique das massas mortas
Que dormem, como as ervas, sobre as hortas,
Na esteira igualitária do teu leito!

O vento continuava sem cansaço
E enchia com a fluidez do eólico hissope
Em seu fantasmagórico galope
A abundância geométrica do espaço.

Meu ser estacionava, olhando os campos
Circunjacentes. No Alto, os astros miúdos
Reduziam os Céus sérios e rudos
A uma epiderme cheia de sarampos!

III

Dormia embaixo, com a promíscua véstia
No embotamento crasso dos sentidos,
A comunhão dos homens reunidos
Pela camaradagem da moléstia.

Feriam-me o nervo óptico e a retina
Aponevroses e tendões de Aquiles,
Restos repugnantíssimos de bílis,
Vômitos impregnados de ptialina.

Da degenerescência étnica do Ária
Se escapava, entre estrépitos e estouros,
Reboando pelos séculos vindouros

O ruído de uma tosse hereditária.

Oh! desespero das pessoas tísicas,
Adivinhando o frio que há nas lousas,
Maior felicidade é a destas cousas
Submetidas apenas às leis físicas!

Estas, por mais que os cardos grandes rocem
Seus corpos brutos, dores não recebem;
Estas dos bacalhaus o óleo não bebem,
Estas não cospem sangue, estas não tossem!

Descender dos macacos catarríneos
Cair doente e passar a vida inteira
Com a boca junto de uma escarradeira,
Pintando o chão de coágulos sanguíneos!

Sentir, adstritos ao quimiotropismo
Erótico, os micróbios assanhados
Passearem, como inúmeros soldados,
Nas cancerosidades do organismo!

Falar somente uma linguagem rouca,
Um português cansado e incompreensível

Vomitar o pulmão na noite horrível
Em que se deita sangue pela boca!

Expulsar, aos bocados, a existência
Numa bacia autômata de barro,
Alucinado, vendo em cada escarro
O retrato da própria consciência!

Querer dizer a angústia de que é pábulo,
E com a respiração já muito fraca
Sentir como que a ponta de uma faca,
Cortando as raízes do último vocábulo!

Não haver terapêutica que arranque
Tanta opressão como se, com efeito,
Lhe houvesse sacudido sobre o peito
A máquina pneumática de Bianchi!

E o ar fugindo e a Morte a arca da tumba
A erguer, como um cronômetro gigante,
Marcando a transição emocionante
Do lar materno para a catacumba!

Mas vos não lamenteis, magra mulheres,
Nos ardores danados da febre hética,
Consagrando vossa última fonética
A uma recitação de misereres.

Antes levardes ainda uma quimera
Para a garganta omnívora das lajes
Do que morrerdes, hoje, urrando ultrajes
Contra a dissolução que vos espera!

Porque a morte, resfriando-vos o rosto,
Consoante a minha concepção vesânica
Há de pagar um dia o último imposto!

Começara a chover. Pelas algentes
Ruas, a água, em cachoeiras desobstruídas,
Encharcava os buracos das feridas,
Alagava a medula dos Doentes!

Do fundo do meu trágico destino,
Onde a Resignação os braços cruza,
Saía, com o vexame de uma fusa,
A mágoa gaguejada de um cretino.

Aquele ruído obscuro de gagueira
à noite, em sonhos mórbidos, me acorda,
Vinha da vibração bruta da corda
Mais recôndita da alma brasileira!

Aturdia-me a tétrica miragem
De que, naquele instante, no Amazonas,
Fedia, entregue a vísceras glutonas,
A carcaça esquecida de um selvagem.

A civilização entrou na taba
Em que ele estava.O gênio de Colombo
Manchou de opróbrios a alma do mazombo,
Cuspiu na cova do morubixaba!

E o índio, por fim, adstrito à étnica escória,
Recebeu, tendo o horror no rosto impresso,
Esse achincalhamento do progresso
Que o anulava na crítica da História!

Como quem analisa uma apostema,
De repente, acordando na desgraça,
Viu toda a podridão de sua raça...
Na tumba de Iracema!...

Ah! Tudo, como um lúgubre ciclone,
Exercia sobre ele ação funesta
Desde o desbravamento da floresta
À ultrajante invenção do telefone.

E sentia-se pior que um vagabundo
Microcéfalo vil que a espécie encerra,
Desterrado na sua própria terra,
Diminuído na crônica do mundo!

A hereditariedade dessa pecha
Seguira seus filhos. Dora em diante
Seu povo tombaria agonizante
Na luta da espingarda com a flecha!

Veio-lhe então como à fêmea vêm antojos,
Uma desesperada ânsia improfícua
De estrangular aquela gente iníqua
Que progredia sobre os seus despojos!

Mas, diante a xantocróide raça loura,
Jazem, caladas, todas as inúbias,
E agora, sem difíceis nuanças dúbias,
Com uma clarividência aterradora,

Em vez de prisca tribo e indiana tropa
A gente deste século, espantada,
Vê somente a caveira abandonada
De uma raça esmagada pela Europa!

Era a hora em que arrastados pelos ventos,
Os fantasmas hamléticos dispersos
Atiram na consciência dos perversos
A sombra dos remorsos famulentos.

As mães sem coração rogavam pragas
Aos filhos bons. E eu, roído pelos medos,
Batia com o pentágono dos dedos
Sobre um fundo hipotético de chagas!

Diabólica dinâmica daninha
Oprimia meu cérebro indefeso
Com a força onerosíssima de um peso
Que eu não sabia mesmo de onde vinha.

Perfurava-me o peito a áspera pua
Do desânimo negro que me prostra,
E quase a todos os momentos mostra
Minha caveira aos bêbedos da rua.

Hereditariedades politípicas
Punham na minha boca putrescível
Interjeições de abracadabra horrível
E os verbos indignados das Filípicas.

Todos os vocativos dos blasfemos,
No horror daquela noite monstruosa,
Maldiziam, com voz estentorosa,
A peçonha inicial de onde nascemos.

Como que havia na ânsia de conforto
De cada ser, ex.: o homem e ofídio,
Uma necessidade de suicídio
Em um desejo incoercível de ser morto!

Naquela angústia absurda e tragicômica
Eu chorava, rolando sobre o lixo,
Com a contorção neurótica de um bicho
Que ingeriu 30 gramas de noz-vômica.

E, como um homem doido que se enforca,
Tentava, na terráquea superfície,

Consubstanciar-me todo com a imundície,
Confundir-me com aquela coisa porca!

Vinha, às vezes, porém, o anelo instável
De, com o auxílio especial do osso masséter
Mastigando homeomérias neutras de éter
Nutrir-me da matéria imponderável.

Anelava ficar um dia, em suma,
Menor que o anfióxus e inferior à tênia,
Reduzido à plastídula homogênea,
Sem diferenciação de espécie alguma.

Era (nem sei em síntese o que diga)
Um velhíssimo instinto atávico, era
A saudade inconsciente da monera
Que havia sido minha mãe antiga!

Com o horror tradicional da raiva corsa
Minha vontade era, perante a cova,
Arrancar do meu próprio corpo a prova
Da persistência trágica da força.

A pragmática má de humanos usos
Não compreende que a Morte que não dorme
É a absorção do movimento enorme
Na dispersão dos átomos difusos.

Não me incomoda esse último abandono.
Se a carne individual hoje apodrece,
Amanhã, como Cristo, reaparece
Na universalidade do carbono!

A vida vem do éter que se condensa,
Mas o que mais no Cosmo me entusiasma
É a esfera microscópica do plasma
Fazer a luz do cérebro que pensa.

Eu voltarei, cansado da árdua liça,
À substância inorgânica primeva,
De onde, por epigênese, veio Eva
E a stirpe radiolar chamada Actissa!

Quando eu for misturar-me com as violetas,
Minha lira, maior que a Bíblia e a Fedra,
Reviverá, dando emoção à pedra,
Na acústica de todos os planetas!

VI

À álgida agulha, agora, alva, a saraiva
Caindo, análoga era... Um cão agora
Punha a atra língua hidrófoba de fora
Em contrações miológicas de raiva.

Mas, para além, entre oscilantes chamas,
Acordavam os bairros da luxúria...
As prostitutas, doentes de hematúria,
Se extenuavam nas camas.

Uma, ignóbil, derreada de cansaço,
Quase que escangalhada pelo vício,
Cheirava com prazer no sacrifício
A lepra má que lhe roía o braço!

E ensangüentava os dedos da mão nívea
Com o sentimento gasto e a emoção podre,
Nessa alegria bárbara que cobre
Os saracoteamentos da lascívia...

De certo, a perversão de que era presa
O sensorium daquela prostituta
Vinha da adaptação quase absoluta
À ambiência microbiana da baixeza!

Entanto, virgens fostes, e, quando o éreis,
Não tínheis ainda essa erupção cutânea,
Nem tínheis, vítima última da insânia,
Duas mamárias glândulas estéreis!

Ah! Certamente, não havia ainda
Rompido, com violência, no horizonte,
O sol malvado que secou a fonte
De vossa castidade agora finda!

Talvez tivésseis fome, e as mãos, embalde,
Estendeste ao mundo, até que, à toa,
Fostes vender a virginal coroa
Ao primeiro bandido do arrabalde.

E estais velha! — De vós o mundo é farto,
E hoje, que a sociedade vos enxota,
Somente as bruxas negras da derrota
Freqüentam diariamente vosso quarto!

Prometem-vos (quem sabe?!) entre os ciprestes
Longe da mancebia dos alcouces,
Nas quietudes nirvânicas mais doces,
O noivado que em vida não tivestes

VII
Quase todos os lutos conjugados,
Como uma associação de monopólio,
Lançavam pinceladas pretas de óleo
Na arquitetura arcaica dos sobrados.

Dentro da noite funda um braço humano
Parecia cavar ao longe um poço
Para enterrar minha ilusão de moço,
Como a boca de um poço artesiano!

Atabalhoadamente pelos becos,
Eu pensava nas coisas que perecem,
Desde as musculaturas que apodrecem
À ruína vegetal dos lírios secos.

Cismava no propósito funéreo
Da mosca debochada que fareja
O defunto, no chão frio da igreja

E vai depois levá-lo ao cemitério!

E esfregando as mãos magras, eu, inquieta,
Sentia, na craniana caixa tosca,
A racionalidade dessa mosca,
A consciência terrível desse inseto!

Regougando, porém, argots e aljâmias,
Como quem nada encontra que o perturbe,
A energúmena grei dos ébrios da urbe
Festejava seu sábado de infâmias.

A estática fatal das paixões cegas,
Rugindo fundamente nos neurônios,
Puxava aquele povo de demônios,
Para a promiscuidade das adegas.

E a ébria turba que escaras sujas masca,
Á falta idiossincrásica de escrúpulo,
Absorvia com gáudio absinto, lúpulo
E outras substâncias tóxicas da tasca.

O ar ambiente cheirava a ácido acético,
Mas, de repente, com o ar de quem empesta,

Apareceu, escorraçando a festa,
A mandíbula inchada de um morfético!

Saliências polimórficas vermelhas,
Em cujo aspecto o olhar perspícuo prendo,
Punham-lhe num destaque horrendo o horrendo
Tamanho aberratório das orelhas.

O fácies do morfético assombrava!
— Aquilo era uma negra eucaristia,
Onde minh’alma inteira surpreendia
A Humanidade que se lamentava!

Era todo o meu sonho, assim, inchado,
Já podre, que a morféia miserável
Tornava às impressões táteis, palpável,
Como se fosse um corpo organizado!

VIII

Em torno a mim, nesta hora, estriges voam,
E o cemitério, em que eu entrei adrede,
Dá-me a impressão de um boulevard que fede,
Pela degradação dos que o povoam.

Quanta gente, roubada à humana coorte,
Morre de fome, sobre a palha espessa,
Sem ter, como Ugolino, uma cabeça
Que possa mastigar na hora da morte;

E nua, após baixar ao caos budista,
Vem para aqui, nos braços de um canalha,
Porque o madapolão para a mortalha
Custa 1$200 ao lojista!

Que resta das cabeças que pensaram?!
E afundado nos sonhos mais nefastos,
Ao pegar num milhão de miolos gastos,
Todos os meus cabelos se arrepiaram.

Os evolucionismos benfeitores
Que por entre os cadáveres caminham
Iguais a irmãs de caridade, vinham
Com a podridão dar de comer às flores!

Os defuntos então me ofereciam
Com as articulações das mãos inermes,
Num prato de hospital, cheio de vermes,

Todos os animais que apodreciam!

É possível que o estômago se afoite
(Muito embora contra isto a alma se irrite)
A cevar o antropófago apetite,
Comendo carne humana, à meia-noite!

Com uma ilimitadíssima tristeza,
Na impaciência do estômago vazio,
Eu devorava aquele bolo frio
Feito das podridões da Natureza!

E hirto, a camisa suada, a alma aos arrancos,
Vendo passar com as túnicas obscuras,
As escaveiradíssimas figuras
Das negras desonradas pelos brancos;

Pisando, como quem salta, entre fardos,
Nos corpos nus das moças hotentores
Entregues, ao clarão de alguns archotes,
À sodomia indigna dos moscardos;

Eu maldizia o deus de mãos nefandas
Que, transgredindo a igualitária regra
Da Natureza, atira a raça negra
Ao contubérnio diário das quitandas!

Na evolução de minha dor grotesca,
Eu mendigava aos vermes insubmissos
Como indenização dos meus serviços,
O benefício de uma cova fresca.

Manhã. E eis-me a absorver a luz de fora,
Como o íncola do pólo ártico, às vezes,
Absorve, após a noite de seis meses,
Os raios caloríficos da aurora.

Nunca mais as goteiras cairiam
Como propositais setas malvadas,
No frio matador das madrugadas,
Por sobre o coração dos que sofriam!

Do meu cérebro à absconsa tábua rasa
Vinha a luz restituir o antigo crédito,
Proporcionando-me o prazer inédito,
De quem possui um sol dentro de casa.

Era a volúpia fúnebre que os ossos
Me inspiravam, trazendo-me ao sol claro,
À apreensão fisiológica do faro
O odor cadaveroso dos destroços!

IX

O inventário do que eu já tinha sido
Espantava. Restavam só de Augusto
A forma de um mamífero vetusto
E a cerebralidade de um vencido!

O gênio procriador da espécie eterna
Que me fizera, em vez de hiena ou lagarta,
Uma sobrevivência de Sidarta,
Dentro da filogênese moderna;

E arranca milhares de existências
Do ovário ignóbil de uma fauna imunda,
Ia arrastando agora a alma infecunda
Na mais triste de todas as falências.

Um céu calamitoso de vingança
Desagregava, désposta e sem norma s,
O adesionismo biôntico das formas

Multiplicadas pela lei da herança!

A ruína vinha horrenda e deletéria
Do subsolo infeliz, vinha de dentro
Da matéria em fusão que ainda há no centro,
Para alcançar depois a periferia!

Contra a Arte, oh! Morte, em vão teu ódio exerces!
Mas, a meu ver, os sáxeos prédios tortos
Tinham aspectos de edifícios mortos
Decompondo-se desde os alicerces!

A doença era geral, tudo a extenuar-se
Estava. O Espaço abstrato que não morre
Cansara... O ar que, em colônias fluidas, corre,
Parecia também desagregar-se!

O pródromos de um tétano medonho
Repuxavam-me o rosto... Hirto de espanto,
Eu sentia nascer-me n’alma, entanto,
O começo magnífico de um sonho!

Entre as formas decrépitas do povo,
Já batiam por cima dos estragos

A sensação e os movimentos vagos
Da célula inicial de um Cosmo novo!

O letargo larvário da cidade
Crescia. Igual a um parto, numa furna,
Vinha da original treva noturna,
O vagido de uma outra Humanidade!

E eu, com os pés atolados no Nirvana,
Acompanhava, com um prazer secreto,
A gestação daquele grande feto,
Que vinha substituir a Espécie Humana!






sexta-feira, 15 de fevereiro de 2008

Cheio de Vazio(Paulinho Moska)

O vazio é um meio de transporte
Pra quem tem coração cheio
Cheio de vazios que transbordam
Seus sentidos pelo meio
Meio que circunda o infinito
Tão bonito de tão feio
Feio que ensina e que termina
Começando outro passeio

E lá do outro lado do céu
Alguém derrama num papel
Novos poemas de amor

Amor é o nome que se dá
Quando se percebe o olhar alheio
Alheio a tudo que não for
Aquilo que está dentro do teu seio
Porque seio é o alimento
E ao mesmo tempo a fonte para o desbloqueio
E desbloqueio é quando aquele tal vazio
Se transforma em amor que veio

Lá do outro lado do céu
Alguém derrama num papel
Novos poemas de amor

Do outro lado do céu
Alguém derrama num papel
Novos poemas de amor

O vazio é um meio de transporte
Pra quem tem coração cheio