segunda-feira, 25 de maio de 2009

Cemitério dos Vivos (Lima Barreto)

(...) Está mudo ou quase mudo. Certas formas de loucura têm esse efeito, e manifestações dela são as mais díspares possíveis. Debruçar sobre o mistério dela e decifrá-lo parece estar acima das forças humanas. Conheço loucos, médicos de loucos, há perto de trinta anos, e fio muito que a honestidade de cada um deles não lhes permitirá dizer que tenha curado um só.
Amaciado um pouco, tirando dele a brutalidade do acorrentamento, das surras, a superstição de rezas, exorcismos, bruxarias, etc., o nosso sistema de tratamento da loucura ainda é o da Idade Média: o seqüestro. Não há dinheiro que evite a Morte, quando ela tenha de vir; e não há dinheiro nem poder que arrebate um homem da loucura.(...)Todos eles estão na mão de um poder que é mais forte do que a Morte. A esta, dizem, vence o amor; a Loucura, porém, nem ele.
(...) Há pescadores em faina. Canoas ainda! Herança dos índios! O remo também vem deles! Quantas coisas, dos seus usos e costumes, eles nos legaram? Muitas! A farinha da mandioca, do milho, certas tuberosas, nomes de rios e lugares, muitos, adequados e expressivos. Hoje, a vaidade nacional batiza os lugares com os mais feios nomes que se podem esperar. Enseada Almirante Batista das Neves! Só falta um doutor, também. Esta nossa sociedade é absolutamente idiota. Nunca se viu tanta falta de gosto. Nunca se viu tanta atonia, tanta falta de iniciativa e autonomia intelectual! É um rebanho de Panúrgio, que só quer ver o doutor em tudo, e isso cada vez mais se justifica, quanto mais os doutores se desmoralizam pela sua ignorância e voracidade de empregos. Quem quiser lutar aqui e tiver de fato um ideal qualquer superior, há de por força cair. Não encontra quem o siga, não encontra quem o apoie. Pobre, há de cair pela sua própria pobreza; rico, há de cair pelo desânimo e pelo desdém por esta Bruzundanga. Nos grandes países de grandes invenções, de grandes descobertas, de teorias ousadas, não se vê nosso fetichismo pelo título universitário que aqui se transformou em título nobiliárquico. É o Don espanhol.

terça-feira, 19 de maio de 2009

Millôr Fernandes

A única diferença entre a loucura e a saúde mental é que a primeira é muito mais comum.

Não há nada tão grave com a alma humana que um bom psicanalista não possa cobrar.

A semântica é o ópio dos psicanalistas.

A psicanálise é apenas um ponto de encontro entre os malucos clientes e os malucos profissionais da maluquice.

Achar que podemos deixar alguém nos restringir parcialmente a liberdade é igual a achar que podemos perder parcialmente a virgindade.

Um homem está definitivamente velho quando aponta para o próprio sexo e diz: "Isto é um símbolo fálico".

Quando eu era criança, o futuro ia ser radioso, o futuro ia ser limpo, o futuro ia ser feliz, tudo no futuro ia acontecer melhor. Agora, o futuro é a ameaça da bomba, a ameaça da fome, a ameaça da superpopulação e da poluição. É, já não se fazem mais futuros como antigamente.

O objetivo da galinha megalomaníaca é um dia conseguir o pôr-do-sol.

O bom ouvinte nunca diz nada mas está sempre de boca aberta.

Quem vive de esperanças morre muito magro.

O financista é um usurário institucionalizado.

As pessoas que falam muito mentem sempre, porque acabam esgotando seu estoque de verdades.

Os que vivem combatendo a televisão deveriam ser mais humildes em seu juízo crítico: afinal, 3 milhões de idiotas não podem estar errados.

Eu só não sou o homem mais brilhante do mundo porque nínguem me pergunta as respostas que sei.

A principal qualidade do grande homem e estar morto.

Só há duas espécies de patifes: os que admitem ser, e nós.

O máximo do complexo de inferioridade é a gente ficar imaginando desculpas pro erro que ainda não cometeu.

O doente sempre se cura sozinho. A natureza produziu o médico apenas para mandar a conta.

Todo ser humano tem direito à vida, à liberdade e à busca da infelicidade.

A vida não é um retrato: é uma caricatura, e nem parecida.

O grave problema do falsário é controlar a tentação de fazer uma nota de 200.

O mal do mundo é que deus envelheceu e o diabo evoluiu.

Os Dez Mandamentos nunca impediram nada. mas deram cada idéia.

Se você não pode realizar seus sonhos realize ao menos os seus pesadelos.

Quem cedo madruga fica com sono o dia todo.

Descobriram, afinal, porque o Rio está cada vez mais chato. São Paulo está com um vazamento.

Política é uma coisa ampla, abrangente, universal. Os que só entendem de política militante não entendem de política - gostam é de militar.

Uma coisa é definitiva: quem se curva aos opressores mostra o traseiro aos oprimidos.

Fim de histórinha moderna:"Aí eles não casaram e foram felizes para sempre".

Só existe uma coisa mais desamparada que um recém-nascido: é um recém pai.

Nossa liberdade começa onde podemos acabar com a do outro.

As más companhias não fazem o homem mau. Na verdade as más companhias, e sobretudo as péssimas companhias, fazem a gente parecer muito melhor do que é.

Amizade é uma paixão que não foi pra cama.

Todos me dão um tremendo apoio moral, quando o que estou precisando é de uma ajuda decididamente canalha.

Quando o cara diz que fala por experiência própria é porque não adquiriu experiência bastante pra calar a boca.

A pobreza não dá felicidade, isso estou cansado de saber. Os ricos, por sua vez, dizem que a riqueza também não dá felicidade. Mas isso eu ainda pretendo verificar.


Millôr Fernandes - Reflexões Sem Dor

segunda-feira, 11 de maio de 2009

domingo, 10 de maio de 2009

Cartola

Cartola - Peito vazio

Nada consigo fazer
Quando a saudade aperta
Foge-me a inspiração
Sinto a alma deserta
Um vazio se faz em meu peito
E de fato eu sinto
Em meu peito um vazio
Me faltando as tuas carícias
As noites são longas
E eu sinto mais frio.
Procuro afogar no álcool
A tua lembrança
Mas noto que é ridícula
A minha vingança
Vou seguir os conselhos
De amigos
E garanto que não beberei
Nunca mais
E com o tempo
Essa imensa saudade que sinto
Se esvai

Cartola - O mundo é um moinho


Ainda é cedo amor
Mal começaste a conhecer a vida
Já anuncias a hora de partida
Sem saber mesmo o rumo que iras tomar

Preste atenção querida
Embora eu saiba que estás resolvida
Em cada esquina cai um pouco tua vida
Em pouco tempo não serás mais o que és

Ouça-me bem amor
Preste atenção o mundo é um moinho
Vai triturar teus sonhos, tão mesquinho.
Vai reduzir as ilusões à pó

Preste atenção querida
Em cada amor tu herdarás só o cinismo
Quando notares estás à beira do abismo
Abismo que cavastes com teus pés

segunda-feira, 4 de maio de 2009

Sendo outra Pessoa!

EU NUNCA GUARDEI REBANHOS - ALBERTO CAEIRO

Eu nunca guardei rebanhos,
Mas é como se os guardasse.
Minha alma é como um pastor,
Conhece o vento e o sol
E anda pela mão das Estações
A seguir e a olhar.
Toda a paz da Natureza sem gente
Vem sentar-se a meu lado.
Mas eu fico triste como um pôr-do-sol
Para a nossa imaginação,
Quando esfria no fundo da planície
E se sente a noite entrada
Como uma borboleta pela janela.


Mas a minha tristeza é sossego
Porque é natural e justa
E é o que deve estar na alma
Quando já pensa que existe
E as mãos colhem flores sem ela dar por isso.
Como um ruído de chocalhos
Para além da curva da estrada,
Os meus pensamentos são contentes.
Só tenho pena de saber que eles são contentes,

Porque, se o não soubesse,
Em vez de serem contentes e tristes,
Seriam alegres e contentes.

Pensar incomoda como andar à chuva
Quando o vento cresce e parece que chove mais.

Não tenho ambições nem desejos
Ser poeta não é uma ambição minha
É a minha maneira de estar sozinho.

E se desejo às vezes
Por imaginar, ser cordeirinho
(Ou ser o rebanho todo
Para andar espalhado por toda a encosta
A ser muita cousa feliz ao mesmo tempo),

É só porque sinto o que escrevo ao pôr-do-sol,
Ou quando uma nuvem passa a mão por cima da luz
E corre um silêncio pela erva fora.

Quando me sento a escrever versos
Ou, passeando pelos caminhos ou pelos atalhos,
Escrevo versos num papel que está no meu pensamento,
Sinto um cajado nas mãos
E vejo um recorte de mim
No cimo dum outeiro,
Olhando para o meu rebanho e vendo as minhas idéias,
Ou olhando para as minhas idéias e vendo o meu rebanho,
E sorrindo vagamente como quem não compreende o que se diz
E quer fingir que compreende.

Saúdo todos os que me lerem,
Tirando-lhes o chapéu largo
Quando me vêem à minha porta
Mal a diligência levanta no cimo do outeiro.
Saúdo-os e desejo-lhes sol,
E chuva, quando a chuva é precisa,
E que as suas casas tenham
Ao pé duma janela aberta
Uma cadeira predileta
Onde se sentem, lendo os meus versos.
E ao lerem os meus versos pensem
Que sou qualquer coisa natural-
Por exemplo, a árvore antiga
À sombra da qual quando crianças
Se sentavam com um baque, cansados de brincar,
E limpavam o suor da testa quente
Com a manga do bibe riscado.


domingo, 3 de maio de 2009

Quintão de Quintana

Pequenas atribuições anedóticas:

"Se aparecer alguma coisa psicografada por mim, não fui eu quem psicografou"

"O fantasma é um exibicionista póstumo"

"Um dia, por dever de ofício, fui a um desses concursos de robustez infantil. Havia cada mãezinha..."

"O que há de mais admirável nas democracias é a facilidade com que qualquer pessoa pode passar da crônica policial para a crônica social"

Sobre os cuidados medicamentosos "A eternidade me dá um cansaço"

Convidado a um encontro, por e com Manuel bandeira: "Mas você não imagina como sou chato no intervalo dos poemas"

"Sempre acordo meio burro"

"Uma boa causa jamais salvou um mau poeta"

"Os poetas de agora não são filiados a escola nenhuma, e isso vem da falta de cultura deles. A compensação está justamente aí: não se filiam a ninguém e metem as caras. Como não embarcam na mesma canoa, não correm o risco de naufragarem todos ao mesmo tempo..."

"O pior dos problemas da gente é que ninguém tem nada a ver com isso"

"Autodidata: ignorante por conta própria"

Espelho Mágico:

Dos milagres

"O milagre não é dar vida ao corpo extinto,
Ou luz ao cego, ou eloquência ao mudo...
Nem mudar água pura em vinho tinto...
O milagre é acreditarem nisso tudo"

Da felicidade
"Quantas vezes a gente, em busca da ventura,
Procede tal e qual o avozinho infeliz:
Em vão, por toda parte, os óculos procura,
Tendo-os na ponta do nariz"

Do amoroso esquecimento
"Eu, agora - Que desfecho!
Já nem penso mais em ti...
Mas será que nunca deixo
De lembrar que te esqueci?"

Da experiência
"A experiência de nada serve à gente.
É um médico tardio, distraído:
Põe-se a forjar receitas quando o doente
Já está perdido..."


Alma errada

Há coisas que a minha alma,já mortificada, não admite:
assistir novelas de TV
ouvir música Pop
um filme apenas de corridas de automóvel
uma corrida de automóvel num filme
um livro de páginas ligadas
porque, sendo bom, a gente abre sofregamente a dedo:
espátulas não há…e quem é que hoje faz questão de virgindades…
E quando minha alma estraçalhada a todo instante pelos telefones
fugir desesperada
me deixará aqui,
ouvindo o que todos ouvem, bebendo o que todos bebem,
comendo o que todos comem.
A estes, a falta de alma não incomoda. (Desconfio até que minha pobre alma fora destinada ao habitante de outro mundo).
E ligarei o rádio a todo o volume,
gritarei como um possesso nas partidas de futebol,
seguirei, irresistivelmente,o desfilar das grandes paradas do Exército.
E apenas sentirei, uma vez que outra,
a vaga nostalgia de não sei que mundo perdido…


INVITATION AU VOYAGE

Se cada um de vós, ó vós outros da televisão
- vós que viajais inertes
como defuntos num caixão –
se cada um de vós abrisse um livro de poemas…
faria uma verdadeira viagem…
Num livro de poemas se descobre de tudo,
de tudo mesmo!
- Inclusive o amor e outras novidades.

O MORTO

Eu estava dormindo e me acordaram
E me encontrei, assim, num mundo estranho e louco...
E quando eu começava a compreendê-lo
Um pouco,
Já eram horas de dormir de novo!

Mario Quintana