segunda-feira, 20 de outubro de 2008

Roberto Piva

LIBELO

Não mais trarei justificações
Aos olhos do mundo.
Serei incluído
" Pormenor Esboçado "
Na grande bruma.
Não serei batizado,
Não serei crismado,
Não estarei doutorado,
Não serei domesticado
Pelos rebanhos
Da terra.
Morrerei inocente
Sem nunca ter
Descoberto
O que há de bem e mal
De falso ou certo
No que vi.

A Piedade

Eu urrava nos poliedros da Justiça meu momento abatido na extrema paliçada

os professores falavam da vontade de dominar e da luta pela vida

as senhoras católicas são piedosas
os comunistas são piedosos
os comerciantes são piedosos
só eu não sou piedoso
se eu fosse piedoso meu sexo seria dócil e só se ergueria aos sábados à noite
eu seria um bom filho meus colegas me chamariam cu-de-ferro e me fariam perguntas por que navio bóia? Por que prego afunda?

eu deixaria proliferar uma úlcera e admiraria as estátuas de fortes dentaduras
iria a bailes onde eu não poderia levar meus amigos pederastas ou barbudos
eu me universalizaria no senso comum e eles diriam que tenho todas as virtudes
eu não sou piedoso
eu nunca poderei ser piedoso
meus olhos retinem e tingem-se de verde
Os arranha-céus de carniça decompõem nos pavimentos
Os adolescentes nas escolas bufam como cadelas asfixiadas
arcanjos de enxofre bombardeiam o horizonte através do meus sonhos

Dodó e Zezé (Tom Zé e Odair Cabeça de Poeta)

- Por que é que a gente tem que ser
marginal ou cidadão?
diga, Zezé.
- É pra ter a ilusão de que pode
pode escolher,
viu, Dodó?

- Mas por que é que a gente
tem de viver com esse medo
danado de tudo na vida?
diga, Zezé.
- É pra aprender que o medo
é o nosso maior conselheiro,
viu, Dodó?

- Sorrisos, creme dental e tudo,
mas por que é
que a felicidade
anda me bombardeando?
diga, Zezé.
- É pra saber que ninguém mais tem
o direito de ser infeliz,
viu, Dodó?

- Mas por que é que um Zé qualquer
de vez em quando tem que dar sete
sopapos na mulher?
diga, Zezé.
- É pra no outro dia
de manhã cedinho
vender muito jornal,
viu, Dodó?

- Mas por que é, por que é,
por que é, e por que é?
diga, Zezé.
- É porque porque, porque
purque purque purque purque,
viu, Dodó?

sábado, 4 de outubro de 2008

Esse Tom Zé é engraçado.

Complexo de Épico (Tom Zé)

Todo compositor brasileiro
é um complexado.

Por que então esta mania danada,
esta preocupação
de falar tão sério,
de parecer tão sério
de ser tão sério
de sorrir tão sério
de chorar tão sério
de brincar tão sério
de amar tão sério?

Ai, meu Deus do céu,
vai ser sério assim no inferno!

Por que então esta metáfora-coringa
chamada "válida",
que não lhe sai da boca,
como se algum pesadelo
estivesse ameaçando
os nossos compassos
com cadeiras de roda, roda, roda, roda?

E por que então esta vontade
de parecer herói
ou professor universitário
(aquela tal classe
que, ou passa a aprender com os alunos
- quer dizer, com a rua -
ou não vai sobreviver)?

Porque a cobra
já começou
a comer a si mesma pela cauda,
sendo ao mesmo tempo
a fome e a comida.