sexta-feira, 20 de fevereiro de 2009

Parizotianas*

Eu sou apenas um pé de alface enquanto tu és um beijo solto no espaço.

Essa vida é um pau-de-sebo com uma nota falsa na ponta.

É melhor avermelhar por segundos do que viver a vida toda amarelando.

*Avô meu, Argemiro Parizoto de Souza.

Sérgio Sampaio


Eu Quero É Botar Meu Bloco Na Rua -Sérgio Sampaio

Há quem diga que eu dormi de touca
Que eu perdi a boca, que eu fugi da briga
Que eu caí do galho e que não vi saída
Que eu morri de medo quando o pau quebrou

Há quem diga que eu não sei de nada
Que eu não sou de nada e não peço desculpas
Que eu não tenho culpa, mas que eu dei bobeira
E que Durango Kid quase me pegou

Eu quero é botar meu bloco na rua
Brincar, botar pra gemer
Eu quero é botar meu bloco na rua
Gingar, pra dar e vender


Eu, por mim, queria isso e aquilo
Um quilo mais daquilo, um grilo menos disso
É disso que eu preciso ou não é nada disso
Eu quero é todo mundo nesse carnaval...

Eu quero é botar meu bloco na rua
Brincar, botar pra gemer
Eu quero é botar meu bloco na rua
Ginga, pra dar e vender

RODA MORTA 

O triste nisso tudo é tudo isso
Quer dizer, tirando nada, só me resta o compromisso
Com os dentes cariados da alegria
Com o desgosto e a agonia da manada dos normais
O triste em tudo isso é isso tudo
A sordidez do conteúdo desses dias maquinais
E as máquinas cavando um poço fundo
entre os braçais, eu mesmo e o mundo dos salões coloniais
Colônias de abutres colunáveis
Gaviões bem sociáveis vomitando entre os cristais
E as cristas desses galos de brinquedo
Cuja covardia e medo dão ao sol um tom lilás
Eu vejo um côco verde no meu fraque
E as moscas mortas no conhaque que eu herdei dos ancestrais
E as hordas de demônios quando eu durmo
Infestando o horror noturno dos meu sonhos infernais
Eu sei que quando acordo eu visto a cara falsa e infame
como a tara do mais vil dentre os mortais
E morro quando adentro o gabinete
Onde o sócio e o alcaguete não me deixam nunca em paz
O triste em tudo isso é que eu sei disso
Eu vivo disso e além disso eu quero sempre mais e mais

quinta-feira, 12 de fevereiro de 2009

Ubatuba - Lendas & Outras Estórias

Ubatuba - Lendas & Outras Estórias
de Washington de Oliveira ("seo" Filhinho)

Lenda do Corcovado (Mina de Ouro)

A estória que vou contar nada tem absolutamente com o famoso pico que orna o belíssimo pano de fundo do maravilhoso cenário que é a Baía da Guanabara. O Corcovado em questão é o que se encontra próximo desta cidade, para as bandas do sudoeste.

É uma formidável corcunda de pedra que se eleva da silhueta da Serra do Mar, da qual é, nestas redondezas, o ponto mais elevado, fazendo realçar essa giba desde Picinguaba até a ponta do Martim de Sá, nas proximidades de Caraguatatuba.

Aqui o Corcovado não tem a airosidade e o prestígio do seu colega do Rio de Janeiro, não recebendo visitas de turistas deslumbrados. Não recebe, mesmo porque as rejeita. Castiga severamente quem ousa mergulhar no mistério em que vive.

Ouçamos:

Pouco depois de Jordão Homem da Costa vir com diversas famílias povoar a antiga aldeia de Iperoig, já então com o nome de Ubatuba, aventureiros daquele tempo quiseram ir ao topo do Corcovado. Os primeiros que isso tentaram foram dois rapazes, jovens ainda, Pablo e Juan, filhos de um fidalgo espanhol, proprietário aqui de vasta sesmaria.

Partiram aos primeiros clarões de uma fresca madrugada de abril, confiantes no êxito dessa aventura. Mas, passaram-se dias sem que voltassem, começando aí a inquietação na família dos moços. Julgou-se que eles se haviam perdido, mas, ao certo, não se conseguiu saber por que não regressavam.

Um escravo do espanhol, favorito de Pablo, prometeu ao seu amo ir buscar notícias do "Sinhô Moço" no cimo do gigante de pedra. Seus companheiros, ao pé da escarpa, viram-no subir agilmente agarrando-se aos cipós e às saliências da pedra e depois sumir lá no alto por entre moitas de samambaias.

Esperaram-no até o dia seguinte. Nada. Voltaram outros dias à sua procura, mas, como os desventurados Pablo e Juan, nunca mais o preto apareceu.

Em 1697, quando ao primeiro centenário da morte de José de Anchieta, veio de São Vicente rezar missa na Capelinha de Ubatuba por intenção da alma do grande catequizador, frei Bartolomeu, da Ordem dos Franciscanos. Esse frade permaneceu mais alguns dias nesta vila e, ouvindo dos habitantes a narrativa do fato acima relatado, e de outros que se sucederam, declarou decididamente que iria ao topo do Corcovado, onde, para provar a ascensão, colocaria uma grande bandeira vermelha, perceptível aos que o acompanhassem até ao pé, da aterrorizadora escarpa. E se bem o disse melhor o fez. A grande comitiva que nesse lugar ficou postada viu, horas depois, bem lá no alto, o desfraldar da sanguinolenta bandeira que frei Bartolomeu levara consigo.

Um frêmito de alegria espalhou-se por todos aqueles observadores, ansiosos pela volta do padre que, de regresso por certo desvendaria o porquê misterioso do Corcovado. Esperaram-no debalde. Alguns homens dos mais corajosos dispuseram-se a ficar durante a noite à espera do missionário. Mas era por demais apreensiva a situação daqueles homens. O silêncio parecia estrangular a Natureza que, de instante a instante, num arranco horrível, gemia agonicamente pela garganta de um pássaro noturno.

Meia noite! Seria meia noite, quando uma exclamação quase de alívio partiu daqueles peitos ofegantes:

- Ei-lo!

De fato, pela rocha nua, lentamente, arrastava-se frei Bartolomeu, pelo mesmo trajeto pelo qual havia subido. Devia estar cansado. De vez em quando parava arrumando o hábito marrom, sustendo na cintura o frouxo cordão branco, e parecendo levar por vezes aos lábios o níveo crucifixo de marfim que lhe pendia ao peito. Um vago clarão de lua jorrou sobre a monástica figura denunciando um livor funéreo em suas faces tristes e descamadas. Correram todos para recebê-lo, mas...

- Onde está frei Bartolomeu?!, perguntaram-se com os olhos. Não mais o viram. Esperaram-no mais algum tempo, porém o frade não desceu. Um deles gritou e o eco respondeu lá no fundo, nas gargantas sombrias da cordilheira.

Logo depois um gemido horrível partiu, não sabem de onde, envolvendo a floresta inteira!

Um frio de morte, uma sensação ignota agitou as carnes daqueles homens. Sem articular palavra, lívidos, completamente desnorteados, abandonaram em disparada aquele sítio maldito, ouvindo o eco sumir longe, muito longe, na imensidão da noite!

* * *

Hoje ainda, à meia noite, quem se for postar ao pé, da misteriosa elevação verá a figura do venerável frei Bartolomeu descer lentamente pela rocha nua, sem nunca, porém, chegar à base.

* * *

Dizem que o Corcovado é encantado, ocultando uma rica mina de ouro pertencente a um gênio que a defende dos homens. Ouro lá existe, e vou provar com outro fato verdadeiro, como verdadeiro é o que acabo de contar.

Lenda: A Mina de Ouro

Em vista dos misteriosos fatos contidos em minha narrativa anterior, ninguém mais se atrevia aproximar-se do "Pico Encantado". Muitos anos depois do desaparecimento de frei Bartolomeu, o capitão Manoel Fernandes Corrêa instalou uma belíssima fazenda na Praia Dura.

Um dia, Alice, filha única do capitão Corrêa, saiu à caça nas proximidades. Vendo-se só, longe da vista severa do pai, admirando o cenário belíssimo que se deparava aos seus olhos virgens de tanta maravilha, embrenhou-se incautamente pela mata. Súbito, um medo vago e inexplicável percorreu aquele corpo misto de anjo e de mulher. Quis voltar mas compreendeu que estava perdida. Correu, gritou, sentiu faltarem-lhe as forças, e espinhos aduncos rasgaram-lhe as carnes alabastrinas. Um último esforço e caiu desfalecida.

Ao cair da noite, quando o sino melancólico da fazenda chamava do eito os escravos para a ceia, era indescritível o desespero do capitão Corrêa pelo desaparecimento da filha. Mandou reunir a turba negra e, pela primeira vez suplicante e dócil, o impiedoso senhor proclamou que daria liberdade imediata ao servo que lhe trouxesse, com a maior rapidez possível, sua querida Alice.

Nenhum crédito deram os escravos àquelas palavras brotadas de um coração empedernido, momentaneamente compungido com o desaparecimento da filha, mas a adoração que dedicavam a Alice - angelical e bondosa criatura - fez daqueles homens exaustos umas feras bravias.
Sem tomar alimento algum cada qual partiu para um lado, sem esperança de recompensa, mas querendo ser o primeiro a beijar a mão da "Nina Alice". Pedro, um escravo robusto, forte, parou repentinamente na corrida em que ia. Sua idéia embrutecida vagueou procurando recordar-se da companheira amada e de uma filhinha de dois anos de idade, que o impiedoso capitão vendera, por castigo! Quis esconder-se e voltar no dia seguinte "sem notícias de nina Alice", mas... - Alice! - esse nome repelia a idéia de vingança que fervia em seu cérebro inculto, porém, compreensivo. Odiava o pai mas adorava a filha. A adoração venceu. Enxugou as lágrimas que lhe corriam pelas faces retintas e reencetou a busca interrompida há pouco.

Cansado, parou. Sentou-se um pouco para reanimar-se, mas foi logo atraído por um farfalhar de folhas secas acompanhado de um gemido surdo e prolongado, partido de pouca distância. Aproximando-se cautelosamente percebeu estendido no chão um vulto alvo de mulher, mal distinguido na escuridão da noite.

- Nina Alice! - esclamou o preto com sua voz fanhosa e forte.
- Oh, salva-me! Tira-me daqui... Quem é? Meu pai? Luz... Quero luz...

Horas depois, nos robustos e retintos braços de Pedro, Alice subia os degraus da "Casa Grande".

Horrores da escravidão! No dia seguinte, Pedro, exausto pelo esforço despendido durante a noite, gemia sob açoites, no tronco, porque não podia trabalhar.

Alice, sabendo o que se passava com o seu salvador, exigiu do pai o que na véspera prometera espontaneamente. Liberto, Pedro beijou as mãos de "Nina Santa" e partiu sem destino, para os lados do Corcovado, e lá instalou sua choça, ao lado de uma cascatinha murmurante, próxima, bem próxima da escarpa misteriosa.

Corria de boca em boca a aventura de "Pai Pedro". O preto vinha sempre a Ubatuba com pequenos canudos de bambu cheios de grânulos auríferos, que trocava por fumo, cachaça e alguns gêneros com os quais assegurava sua subsistência.

Essa notícia foi bater também na fazenda do capitão Corrêa, que duvidava do que lhe diziam, mas, um dia, ele mesmo viu na vila as negociações que eram propaladas. Cheio de inveja e cobiça, pensou logo em se apoderar do tesouro do preto. Certa noite, em companhia de um grupo armado, foi à choça de Pedro, capturando seu ex-escravo e levando-o para a sua fazenda. Ali chegando, sem mais delonga, Pedro era premido a contar como descobrira aquele fabuloso tesouro.

- Sinhô, Pedro num pode cuntá, pruque...

Uma violenta chicotada estalou nas faces já rugosas do mártir, cortando-lhe a frase. Depois, novas torturas, imprecações, terríveis ameaças, até que Pedro resolveu iniciar a narrativa, na linguagem carregada e fanhosa, toda peculiar aos pretos africanos. Disse que foi morar no sítio solitário onde o encontraram, bendizendo sempre o nome de Alice, até que um dia, na vila, veio a saber da morte da moça, sua libertadora. De volta à choça, um profundo pesar oprimia-o todo.
Pedro parou para disfarçar um soluço e enxugar uma lágrima, ao que o capitão esbravejou:

- Continua, bandido!

E Pedro continuava, trêmulo, acovardado.
À noite não conseguira dormir, parecendo-lhe ouvir ao longe a voz cristalina da moça numa canção de amor. De repente a porta do casebre tremeu e escancarou-se, penetrando por ela um vulto diáfano de mulher. Era Alice! Ele a reconheceu.
Como que agarrado por mãos invisíveis, não se pôde mover no lugar em que se achava, mas ouviu perfeitamente a visão dizer:

- Pedro, tu foste um dia o meu salvador. Dei-te a liberdade, mas sei que sofres, neste exílio onde te arrojou a impiedade de meu pai. Não te assustes e ouve-me. Não muito longe daqui, oculto nas entranhas da terra, existe uma mina de ouro. Ela será tua sob a única condição de nunca revelares a outrem esse lugar cobiçado. Se isso tentares, a vingança do gênio protetor da mina cairá sobre tua cabeça, ouviste? Cuidado, pois, e segue meus passos.

- Negro maldito! - gritou o capitão - não retardes a revelação. Onde está o tesouro?
- Sinhô... tá lá pra banda do...

E o surdo ruído do baque de um corpo ecoou na sala da "Casa Grande". Pedro caira morto, fulminado, antes de revelar o sítio misterioso de tão cobiçado tesouro, que até hoje jaz nas proximidades do Corcovado.

Pedro bem dizia:
- Negro num pode cuntá...

Ubatuba - Lendas & Outras Estórias
de Washington de Oliveira ("seo" Filhinho)

segunda-feira, 2 de fevereiro de 2009

Será que é isso que eu necessito (Titãs)

Quem é que precisa tomar cuidado com o que diz?
Quem é que precisa tomar cuidado com o que faz?
Será que é isso o que eu necessito?
Será que é isso o que eu necessito?
Ninguém fez nada, ninguém tem culpa.
Ninguém fez nada de mais, filha da puta!
Quem aqui não tem medo de passar o ridículo?
Quem aqui, como eu, tem a idade de Cristo quando morreu?
Quem é que se importa com o que os outros vão dizer?
Quem é que se importa com o que os outros vão pensar?
Será que é isso o que eu necessito?
Será que é isso o que eu necessito?
Não sei o que você quer, nem do que você gosta.
Não sei qual é o problema. Qual é o problema, seu bosta?
Quem aqui não tem medo de se achar ridículo?
Quem aqui, como eu tem a idade de Cristo quando morreu?